Comer apenas duas vezes por dia e sempre a mesma coisa: bolinhas sem gosto, sem cheio e com uma coloração duvidosa, saídas de um pacote colorido e com um T bem grande no meio indicando que sua alimentação é transgênica. Seria uma coisa bem estranha de se imaginar, se não ocorresse todos os dias na casa de diversos brasileiros que acreditam que oferecer ração é a melhor maneira de cuidar da alimentação do seu pet.
Mas, se nossos nutricionistas sempre lembram a importância de nos alimentarmos de forma natural e evitar o consumo de produtos industrializados, por que é que não levamos estas recomendações a sério também quando se trata da alimentação dos nossos bichinhos? As consequências desse descuido podem ser piores que parecem.
Você sabia, por exemplo, que a obesidade em cães e gatos é uma doença recente? Estranhamente, ela surgiu mais ou menos junto com o aparecimento de rações industrializadas para os animais… Outro ponto que acende o sinal vermelho nos tutores é a utilização dos conservantes BHA e BHT, comum em rações para cachorro. As duas substâncias foram classificadas como cancerígenas pela Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer, um braço da Organização Mundial de Saúde.
Também há dados que comprovam que a maioria dos casos de cálculo renal em cães é causado pelo consumo de ração. Acontece que, para manter a saúde dos rins, os cães precisam consumir uma quantidade suficiente de água, mas as rações comuns contam com apenas cerca de 11% de umidade, contra uma média de 70-80% em casos de dietas naturais.
Apesar das evidências, muitos tutores ainda são encorajados pelos próprios veterinários a manter a alimentação industrializada dos bichinhos. A justificativa de muitos é de que uma alimentação natural (também conhecida como AN) pode não ser capaz de suprir todas as necessidades nutricionais dos animais ou poderia fazer mal à saúde destes. Até mesmo o Conselho Federal de Medicina Veterinária se mostra contra a prática da alimentação caseira.
E essas indicações tem fundamento: até os anos 70-80 mais ou menos, a maioria dos animais domésticos eram alimentados com sobras de comida ou mesmo com alguns pratos feitos especialmente para eles, mas sem nenhum cuidado com a dieta recomendada para cada espécie. O problema é que muitos donos acreditavam – e ainda acreditam – que uma alimentação balanceada para os cães (animais carnívoros, com tendências onívoras) é o mesmo que uma alimentação balanceada para nós humanos (onívoros). Acontece que os caninos se alimentaram exclusivamente de suas presas por tanto tempo que seus organismos estão completamente adaptados a uma dieta que contenha grandes quantidades de carne – e pode ser crua mesmo!
Duvida? Vamos lá… Uma pesquisa realizada pela zootecnista e mestre em nutrição Janine França comparou a alimentação de 24 cães divididos em grupos, sendo cada grupo alimentado com uma dieta diferente: ração seca super premium, ração úmida enlatada, mix de frango cru, mix de carne bovina crua, mix de frango cru aquecido no microondas e mix de carne bovina crua aquecido no microondas. A conclusão foi de que os cães que foram alimentados com as rações úmida e seca tiveram índices de colesterol piores do que os que receberam alimentação natural. Os animais que receberam alimentação natural também tiveram melhor desempenho em relação aos triglicerídeos do que os que foram alimentados com ração seca. [Mais resultados do estudo aqui.]
Esses são apenas alguns dos motivos que fizeram com que a AN já seja adotada em larga escala nos Estados Unidos, Austrália e na Europa. No Brasil, uma das principais defensoras deste tipo de alimentação é a jornalista e veterinária paulista Sylvia Angélico, criadora do site Cachorro Verde, onde divulga dietas de alimentação natural para cães e gatos. As opções vão de dietas cruas com ossos a dietas com carnes e vegetais cozidos.
Um dos precursores quando se trata de AN é o veterinário australiano Tom Lonsdale, autor do livro Raw Meaty Bones e Work Wonders, que propõe uma dieta essencialmente crua para cães e gatos. Tom explica sua escolha em uma entrevista ao blog Mãe de Cachorro: “A espécie humana é a única que cozinha sua comida. E ainda assim não entendemos totalmente os prós e contras do cozimento. Entretanto, para todas as outras espécies a dieta biologicamente apropriada é a crua, sem exceções.”
Caso opte por uma dieta cozida, vale lembrar que alguns alimentos devem ser riscados da dieta dos pets: ossos de galinha cozidos ecebola estão proibidos, enquanto o alho pode ser utilizado, desde que em doses muito pequenas. Aqui tem uma listinha completa de alimentos a evitar.
O mais importante é que quem opta pela AN aprova a escolha. É o caso de Giuliana Capello, que contou no site Planeta Sustentável como foi a transição da alimentação de seus dois cães de ração para AN: “No início, tive receio de alguma mudança no peso, mas isso não aconteceu. Na verdade, algumas pessoas até disseram que a Naná (que andava meio rechonchuda) tinha emagrecido ou desinchado. Fato é que ela ficou com cara e comportamento de cão ainda mais saudável. O pelo das duas melhorou, ficou mais brilhante, viçoso. O humor e a disposição, então, nem se fala.”
E Giuliana não está sozinha. A maioria dos criadores que optou por esse tipo de alimentação relata uma série de melhorias, que vão desde a prevenção do mau hálito, até a diminuição da queda de pelo, sem esquecer da redução no volume e no odor das fezes dos animais – sinal de que o organismo está absorvendo melhor os alimentos. Além disso, é claro que os bichanos aprovam a escolha, muito mais saborosa do que um prato sem graça de ração.
Com oito cães da raça West Highland, a criadora Andrea Camargo diz gastar cerca de R$ 90 por mês por animal para manter a alimentação natural de seus cães. Quanto ao tempo gasto, ela contou que é de uma a duas horas por mês para um animal de 7 Kg, por exemplo – o alimento pode ser separado e congelado em porções separadas para ser usado posteriormente. “Hoje, com 8 (cães) eu gasto umas 4 horas de preparo“, conta ela, acrescentando que é “rápida no gatilho“.
É claro que os custos dependem também do tipo de carnes escolhidas e do porte dos animais, mas em geral uma dieta a base de alimentação natural costuma sair mais em conta do que rações super premium, como conta Sylvia Angélico. Vale lembrar que adotar a AN cozida, ao contrário do que muitos pensam, não é o mesmo que dar restos de comida para seu pet, já que as necessidades de nutrientes dele são outras. Além disso, é importante sempre pesquisar bem sobre o assunto e consultar as diversas dietas disponíveis. Caso seu cachorrinho apresente algum problema de saúde, é imprescindível consultar uma nutricionista veterinária para criar uma dieta balanceada e de acordo com as condições do animal.
Quando o problema é tempo para cuidar das refeições, há também opções de comidas prontas feitas apenas com ingredientes naturais para os bichanos. No Brasil, a ideia avança rapidamente e algumas empresas já se dedicam exclusivamente ao mercado de alimentação natural para pets, como a Pet Delícia e a PetChef (ambas no RJ), o Pet Apetit (Manaus) e o La Pet Couisine (SP), que comercializam dietas naturais cozidas para os animais. Por problemas com a legislação brasileira, ainda não há regulamentação que permita a venda da dieta natural crua, mas muitas pessoas já adotaram o estilo em casa. Os pratos prontos costumam custar cerca de R$ 15 a R$ 25, o que aumentaria consideravelmente os gastos com a comida.
Outro ponto importante que deve ser levado em consideração é o tempo de adaptação da dieta, que deve durar de 7 a 10 dias. Os novos alimentos devem ser introduzidos gradualmente na rotina do animal para que o organismo possa se acostumar. É uma fase de desintoxicação, quando o corpo expulsa as substâncias tóxicas. Nesse período, podem ocorrer aparecimento de coceiras, espinhas, fezes amolecidas e hálito forte, mas os sintomas desaparecem em poucos dias, assim que seu animal se adapta à nova alimentação. E você pode ter certeza de que ele irá lhe agradecer pela dedicação com muito amor e uma dose extra de disposição.